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10 ANOS DO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA

Junho é o mês do orgulho LGBT e, em se tratando deste tema, no último dia 05 de maio se comemoraram os 10 anos de uma decisão judicial histórica, através da qual o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade da União Estável entre pessoas do mesmo sexo e conferiu aos casais homoafetivos o status de núcleo familiar, consagrando assim as relações de afeto – e não o gênero de seus integrantes – como condição essencial à existência da família.

Na decisão da  Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132,  o STF deu ao art. 1.723 do Código Civil interpretação “conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo perfeito de ‘família’”, concluindo ainda que esse reconhecimento se dava de acordo com as mesmas regras e consequências da união estável heterossexual.

Outro não poderia ter sido o desfecho daquele julgamento, que analisava a temática sob a égide do art. 226, § 3º da Constituição Federal – preceito constitucional inclusivo que já dera fim à ideia de que apenas no casamento seria possível a instituição da família – mas que o fazia por uma ótica social diversa daquela vigente no momento social em que fora criado.

Se lá atrás, nos idos de 1988,  a Constituição Federal, ao equiparar a união estável ao casamento, reconheceu que a constituição família se dá pela opção livre e consciente de formação de uma vida comum, regida não mais necessariamente pelo contrato de casamento, mas sim pela relação de afeto  entre os seus partícipes; certo é que passados mais de 20 anos o Tribunal Maior alargou esse entendimento face uma hodierna visão da efetividade das relações homoafetivas como real parcela do extrato social, a qual se encontra bem refletida nas palavras do Ministro Marco Aurélio:

“A homoafetividade é um fenômeno que se encontra fortemente visível na sociedade.

 A afetividade direcionada a outrem de gênero igual compõe a individualidade da pessoa, de modo que se torna impossível, sem destruir o ser, exigir o contrário. Insisto: se duas pessoas de igual sexo se unem para a vida afetiva comum, o ato não pode ser lançado a categoria jurídica imprópria. A tutela da situação patrimonial é insuficiente. Impõe-se a proteção jurídica integral, qual seja, o reconhecimento do regime familiar. Caso contrário, conforme alerta Daniel Sarmento, estar-se-á a transmitir a mensagem de que o afeto entre elas é reprovável e não merece o respeito da sociedade, tampouco a tutela do Estado, o que viola a dignidade dessas pessoas, que apenas buscam o amor, a felicidade, a realização”.

Aliado aos argumentos do Ministro Marco Aurélio, encontramos o bem elaborado raciocínio do ministro Ayres Brito, relator dos citados processos, cujo voto condutor daquele julgamento afasta a ideia de existir ali a possibilidade de conflito entre os interesses hetero e homoafetivos:

“Mas tanto numa quanto noutra modalidade de legítima constituição da família, nenhuma referência é feita à interdição, ou à possibilidade, de protagonização por pessoas do mesmo sexo. Desde que preenchidas, também por evidente, as condições legalmente impostas aos casais heteroafetivos. Inteligência que se robustece com a proposição de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um interesse de outrem. E já vimos que a contraparte específica ou o focado contraponto jurídico dos sujeitos homoafetivos só podem ser os indivíduos heteroafetivos, e o fato é que a tais indivíduos não assiste o direito à não-equiparação jurídica com os primeiros. Visto que sua heteroafetividade em si não os torna superiores em nada. Não os beneficia com a titularidade exclusiva do direito à constituição de uma família. Aqui, o reino é da igualdade pura e simples, pois não se pode alegar que os heteroafetivos perdem se os homoafetivos ganham. E quanto à sociedade como um todo, sua estruturação é de se dar, já o dissemos, com fincas na fraternidade, no pluralismo e na proibição do preconceito, conforme os expressos dizeres do preâmbulo da nossa Constituição”.

A nosso ver esses dois trechos dos votos proferidos durante aquele julgamento bem traduzem o espírito da decisão, que de um lado afirma a necessidade da prevalência dos princípios e garantias constitucionais sobre toda e qualquer forma de ódio ou discriminação, assim como sua extensão a toda a sociedade e não apenas a esta ou aquela de suas parcelas;  e de outro lado reconhece que, ao equiparar em direitos – e assim também em deveres – pessoas de orientação hetero ou homossexual, nenhuma delas restará diminuída ou prejudicada nesses mesmos direitos e deveres.

Dito isso, já de há muito consolidada aquela decisão, mister se faz apontar que abriu ela aos casais homoafetivos uma série de direitos que até então lhes eram negados. Desde daqueles de natureza patrimonial, tais como a  sucessão do companheiro(a) falecido(a),  a partilha de bens e a presunção do esforço comum decorrente da união homoafetiva, a pensão por morte ao parceiro sobrevivente, o pedido de pensão alimentícia, a possibilidade de o(a) inscrição em planos de assistência à saúde e perante a Receita Federal; até outros de natureza eminentemente pessoal, tal qual o direito de adoção pelo casal homossexual ou de adoção unilateral pela companheira da mãe biológica, ou então da concessão da licença-maternidade à mãe não-gestante cuja companheira engravidou por inseminação artificial; certo é, quem com o reconhecimento da união estável homoafetiva, esses e outros direitos passaram a integrar o universo jurídico desses casais e,  ao longo desses 10 anos, vêm sendo gradualmente afirmados e exercidos.

Não se ignora aqui que ainda nos deparamos com um sem número de situações de desrespeito aos direitos dos casais homossexuais. Porém as mesmas, em sua esmagadora maioria vêm sendo rechaçadas pelo Poder Judiciário, que sistematicamente reafirma que instituto da união estável e todos os direitos e deveres dele decorrentes devem ser interpretados de forma expansiva e igualitária, permitindo que as uniões homoafetivas tenham  o  mesmo  regime  jurídico  protetivo  conferido  aos casais heterossexuais e que assim reconhece a ambos a condição de base da sociedade e o direito à proteção dessa união pelo Estado.

Diante disso e sem pretender aqui mitigar os entraves a eles ainda impostos por aqueles que insistem em ignorar a primazia da orientação principiológica conferida pelo STF, certo é que podem e devem os casais homoafetivos se valer dos nossos Tribunais para dar efetividade a esses direitos quando infundamente lhes sejam negados uma vez que, nas palavras do Ministro Luís Felipe Salomão[1], “o  direito  à  igualdade  somente se realiza com plenitude se for garantido o direito à diferença”.


[1] Luís Felipe Salomão é Ministro do Superior Tribunal de Justiça, trecho do voto proferido no julgamento do Recurso Especial 1302467/SP.

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